domingo, 6 de fevereiro de 2011

Poema Falado: Elegia a uma pequena borboleta

Quando criança costumava pegar borboletas com as mãos. Segurava-as com todo o cuidado, mas mesmo assim suas asas ficavam presas aos meus dedos, e a borboleta não conseguia voltar a voar. Parei, então, de segurar borboletas com as mãos, mas sempre que as vejo fico a pensar na coragem das borboletas. Voar para tão longe com asas tão delicadas. Acho que é assim o destino de quem nasceu para ser borboleta. Não tem jeito! Quem nasceu para voar, cedo ou tarde acaba voando, mesmo que lhe cortem as asas. É impossível aprisionar o destino (por Aline Lombello). A fim de homenagear as incansáveis e corajosas borboletas, o Poema Falado de fevereiro discorre sobre as borboletas por meio do belíssimo texto da inesquecível Cecília Meireles. Esta postagem é dedicada a PAPPILLON. Boa audioleitura!
Como chegavas do casulo,
- inacabada seda viva! -
tuas antenas - fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,

como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,

minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.

Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
Não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
_ a confusão dos nossos olhos,
- o selvagem peso do gesto,
- cegueira - ignorância - remotos
instintos súbitos - violências
que o sonho e a graça prostram mortos.

Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!

E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
- os espelhos que refletissem
_ vôo e silêncio - os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!




quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Iemanjá

Conta a tradição dos povos iorubás (atual Nigéria), que Iemanjá era a filha de Olokum, deus do mar. Em Ifé, tornou-se a esposa de Olofin-Odudua, com o qual teve dez filhos, todos orixás. De tanto amamentar seus filhos, os seios de Iemanjá tornaram-se imensos. Cansada da sua estadia em Ifé, Iemanjá fugiu na direção do “entardecer-da-terra”, como os iorubas designam o Oeste, chegando a Abeokutá. Iemanjá continuava muito bonita. Okerê propôs-lhe casamento. Ela aceitou com a condição que ele jamais ridicularizasse a imensidão dos seus seios. Um dia, Okerê voltou para casa bêbado. Tropeçou em Iemanjá, que lhe chamou de bêbado imprestável. Okerê então gritou: “Você, com esses peitos compridos e balançantes!” Ofendida, Iemanjá fugiu. Okerê colocou seus guerreiros em perseguição e Iemanjá, vendo-se cercada, lembrou que tinha recebido de Olokum uma garrafa, com a recomendação que só abrisse em caso de necessidade. Iemanjá tropeçou e esta quebrou-se, nascendo um rio de águas tumultuadas, que levaram Iemanjá em direção ao oceano, residência de Olokum. Okerê tentou impedir a fuga de sua mulher e se transformou numa colina. Iemanjá, vendo bloqueado seu caminho, chamou Xangô, o mais poderoso dos seus filhos, que lançou um raio sobre a colina Okerê, que abriu-se em duas, dando passagem para Iemanjá, que foi para o mar, ao encontro de Olokum. Iemanjá usa roupas cobertas de pérola, tem filhos no mundo inteiro e está em todo lugar onde chega o mar. Seus filhos fazem oferendas para acalmá-la e agradá-la. Iemanjá, Odô Iyá (rainha das águas), nunca mais voltou para a terra. Ainda existe, na Nigéria, uma colina dividida em duas, de nome Okerê, que dá passagem ao rio Ogun, que corre para o oceano (Fonte: Portal do Rio Vermelho).

Para homenagear a Rainha do Mar, o Salvador na sola do pé preparou um Poema Falado especial, que será também postado aqui no Bienvenue-Ami, intitulado Flor à Iemanjá, de Augusto Barros. Diz o poema: “Os meus pés não sentem mais o chão / Já não afundam como antes / Apenas sigo adiante ao fundo / Embalado pelo ritmo de sua canção // A melodia do azul das ondas / Quando se confunde com o bege / Gritando em brancas espumas / Faz com que eu, por hora, suma // E o maestro que rege / Esta orquestra dessincronizada / Já não habita aqui há tempos... / Tudo, então, como queiram os ventos // Nessa confusão de cores e sons / O mar invade cada vez mais o meu corpo / Por dentro e por fora... / E assim deixo // Deixo porque agora / Descobri que somente sendo / Inteiramente seu /

Sou inteiramente meu” (In: Poesias do Augusto). Salve Iemanjá! Odô Iyá!