segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Muito além do chinfrim: O Barbeiro de Sevilha em Salvador.

Quando visitei a Alemanha pela primeira vez, no verão europeu de 2005, passei os últimos dias da viagem em Frankfurt am Main. Na cidade do Goethe, meu passatempo predileto era contemplar o pôr-do-sol na Opernplatz, enquanto saboreava um belo sorvete. Das escadas do Alte Oper gostava de ver a vida passar de um lado para outro, por vezes calma, tranqüila, por vezes apressada. Naquele final de julho estava em cartaz no imponente teatro o espetáculo “Tristão e Isolda”. Interessante foi observar os espectadores da famosa ópera. Gente de todo tipo adentrava o Alte Oper para apreciar a obra do compositor alemão Richard Wagner. De sisudos senhores e senhoras caprichosamente bem trajados, a jovens ruidosamente descontraídos, passando por belas e exuberantes mulheres escandalosamente vestidas e seus acompanhantes metidos em smokings de corte impecável. De todos esses tipos, os adolescentes foram os que mais me chamaram atenção. Traziam na cara, nos cabelos, na pele e nas roupas os sinais das tribos às quais pertenciam. Fiquei, então, a imaginar se na minha terra, que é a mesma do Castro Alves, uma ópera atrairia tantos jovens assim. Esperei cinco anos para comprovar que sim.

Na última semana esteve em cartaz em Salvador, no Teatro Castro Alves (TCA), a ópera “O barbeiro de Sevilha”, do compositor italiano Gioacchino Rossini. Encenada pela Companhia Brasileira de Ópera, dirigida pelo maestro John Neschling, a magnífica montagem trouxe um alento para a cidade, tão empesteada por manifestações artísticas chinfrins. Encenado de maneira inusitada, o espetáculo misturou no palco elementos típicos do teatro com recursos visuais e tecnológicos que, segundo a produção, “nunca antes foram utilizados no meio operístico”. O resultado lembra algumas produções cinematográficas a exemplo de “Mary Poppins” e “Você já foi à Bahia”, ambos dos estúdios Disney, pois, assim como nestes filmes, a encenação também permite a interação entre atores/cantores de carne e osso com personagens de desenho animado. Para os produtores, “a integração entre cantores, maestro e orquestra com os elementos filmados e desenhados produz efeitos cênicos de grande comicidade e teatralidade, inalcançáveis em encenações convencionais”. De fato, o que se vê é um espetáculo lúdico e grandioso, como convém a uma ópera.

Para alguns espectadores a experiência foi deveras encantadora: “Saí encantada do TCA. Mesmo cansada após um dia com muito corre-corre, venci o sono durante as 2h40min da apresentação. Mas venci graças a essa produção encantadora e que prendeu o público durante os dois atos. Acredito que Rossini nunca imaginaria que sua ópera se tornaria tão popular e muito menos que seriam utilizados recursos tão interessantes para torna a apresentação leve e bem humorada. Os cantores contracenam em um cenário feito por animações, fazendo uma excelente utilização do audiovisual. Foi como assistir a um desenho animado ao vivo”, disse a psicopedagoga Gina Reis.

O mais legal de toda essa história foi perceber que, ao contrário do que apregoam os imbecis, há, sim, espaço para esse tipo de produção em Salvador. O TCA esteve lotado em todos os dias das apresentações. Tal qual na Opernplatz, havia gente de todo tipo, inclusive jovens, muitos jovens, de variadas tribos, adolescentes e, até mesmo, crianças. Apesar das diferenças, o que havia em comum entre todos os espectadores era o desejo de apreciar uma manifestação artística que passava longe, muito longe da estética “axelizante” e “pagodizante” que contaminou a arte soteropolitana. Nada contra o chinfrim. No mundo há espaço para tudo e todos. Entretanto, é irritante constatar que numa cidade com enorme potencial artísticos, onde há tantos artistas magníficos, com propostas estéticas inovadoras e audaciosas, uma platéia ávida por conhecer tais propostas, a aposta é o chinfrim, pois os ineptos gestores culturais locais valorizam tão somente o chinfrim. Mais irritante, ainda, é ouvir a imprensa local e alguns pseudo-intelectuais ovacionarem o chinfrim como a grande contribuição da Bahia para a cultura brasileira e para o mundo. Foi-se o tempo. Agora, vivemos o império do chinfrim. Seguindo assim, Salvador jamais deixará de ser aquela provinciazinha, incansavelmente satirizada nos versos infernais do Gregório de Mattos (por Sílvio Benevides).

Postado por SB-SSA em Salvador na sola do pé
Cia. Brasileira de Ópera - clipe

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Colaboração de Aline Lombello


Morre lentamente
Pablo Neruda

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.

domingo, 5 de setembro de 2010

Poema Falado: Ideias Íntimas (Lira dos vinte anos)

De acordo com a filosofia, o desejo pode ser entendido como uma tensão em direção a um fim considerado uma fonte de satisfação pela pessoa que deseja. Trata-se, pois, de uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Quando consciente, o desejo se configura como uma atitude mental que acompanha a representação do fim esperado. Este, por sua vez, nada mais é do que o conteúdo mental relativo ao ato de desejar. O desejo não pode ser confundido com a necessidade fisiológica ou psicológica que o acompanha por ser o elemento afetivo destes. Na tradição filosófica, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não caressesse de nada não desejaria nada. Este ser seria um perfeito, um deus, portanto. Por isso Platão e os filósofos cristãos conceberam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos. O Poema Falado deste mês discorre sobre o desejo de amor e gozo por meio dos magníficos versos do Álvares de Azevedo: "Oh! ter vinte anos sem gozar de leve / A ventura de uma alma de donzela! / E sem na vida ter sentido nunca / Na suave atração de um róseo corpo / Meus olhos turvos se fechar de gozo! / Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas / Passam tantas visões sobre meu peito! / Palor de febre meu semblante cobre, / Bate meu coração com tanto fogo"! Boa Leitura.