sexta-feira, 31 de outubro de 2008




Por nossa Colaboradora Bel 2 lindos Poemas:


Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além ...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E,se um dia hei -de ser pó, cinza e nada,
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
REFERÊNCIA: FLORBELA ESPANCA em Charneca em Flor de 1930


Para Coccinelle.

Lascívia

Quero tê-la nos braços delirante,
Nesse calor que à carne dá ao desejo,
Quero-a impetuosa, lúbrica, ofegante,
Insatisfeita ao beijo, ansiando o beijo¦

Que você seja só e toda amante,
Nada mais, nada, sem rubor nem pejo...
Confusa, estranha, pálida, um instante...
É assim que a quero, e penso, e sinto, e vejo¦

E tudo se dará num só momento,
Que durará o nada, o tudo, o nada,
E será a luz, a flor, a força, o vento¦

Fará do agora toda a eternidade,
Fará da eternidade toda o agora,
E de nós dois fará uma só vontade¦

REFERÊNCIA: OSCAR DIAS CORRÊA em Antologia dos Poetas Brasileiros organizado por Mariazinha Congílio Pág. 162


Esse foi dedicado a Coccinelle(É de colaboradora para colaboradora nada mais...)


domingo, 26 de outubro de 2008



Uma Colaboração da "MITOLÓGICA" criatura Coccinelle.


O Jardim do Amor (de Sons da Experiência)
(William Blake - Tradução Coccinelle)

Eu fui ao Jardim do Amor,
E vi o que jamais imaginei:
Uma Capela fora erguida em meio,
Ao verdor onde sempre brinquei.

E os portões dessa capela estavam cerrados,
“Tu não podes” era o escrito sobre a entrada;
Então eu me voltei para o Jardim do Amor
Onde nasciam muitas flores delicadas;

E vi o jardim repleto de sepulturas,
E lápides onde as flores deveriam estar;
E padres em vestes pretas andavam em círculos,
E atavam com espinhos minhas alegrias e desejos.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008


Assim eu vejo a vida
(Cora Coralina)

A vida tem duas faces:Positiva e negativa

O passado foi duro

mas deixou o seu legado

Saber viver é a grande sabedoria

Que eu possa dignificar

Minha condição de mulher,

Aceitar suas limitações

E me fazer pedra de segurança

dos valores que vão desmoronando.

Nasci em tempos rudes

Aceitei contradições

lutas e pedras

como lições de vidae delas me sirvo

Aprendi a viver.





HOJE ME DEI CONTA
(Fernando Pessoa)


Hoje me dei conta de que as pessoas vivem a esperar por algo

E quando surge uma oportunidade

Se dizem confusas e despreparadas,

Sentem que não merecem,

Que o tempo certo ainda não chegou,

E a vida passa e os momentos se acumulam

Como papéis sobre uma mesa.

Estamos nos preparando para qualquer coisa

Mas ainda não aprendemos a viver,

A arriscar por aquilo que queremos,

A sentir aquilo que sonhamos.

E assim adiamos nossos dias

E nossas vidas por tempo indeterminado

Até que a vida se encarregue de decidir por nós mesmos,

E percebemos o quanto perdemos

E o tanto que poderíamos ter evitado.

Como somos tolos em nossos pensamentos limitados,

Em nossas emoções contidas,

Em nossas ações determinadas.

O ser humano se prende em si mesmo

Por medo e desconfiança vive como coisa

Num mundo de coisas

O tempo esperado é o agora,

o hoje tem o nome de "presente" porque é isso que ele é.

Sua consciência lhe direciona,

Seus sentidos lhe alertam,

E suas emoções não mais são desprezadas.

Antes que tudo acabe é preciso fazer iniciar,

É preciso saber reiniciar mesmo com dor e sofrimento,

Antes arriscar do que apenas sonhar,

Ou o pior: ficar esperando...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008




Por nossa Colaboradora Bel 3 lindos Poemas:





OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mão
se partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

REFERÊNCIA: Mário Quintana em Esconderijos do tempo, 1980




FILHOS DO FOGO

Não foi o cansaço da jornada
Que de novo nessa noite nos venceu,
Mas um sofrimento antigo, igual a sempre,
A realidade com sua mão espadaúda
Juntando a poeira de uns castelos demolidos,
De tudo extraindo o que sobra de nosso, afinal:
O irreversível.


Cultivamos rituais silenciosos,
Temos dentro de nós a alma do mundo.
Fomos feito para a solidão,
A mesma que sente um animal
Ao largar o seu rebanho
E esperar a morte suavemente
Numa longa tarde de chuva em Gibeon.

Damos calor às coisas enquanto é tempo
E mais tempo há enquanto estamos mudos.
Gozamos um amor tranqüilo, sem heroísmo.
Assim acontece certas vezes, por espanto:
De um golpe, o infinito nos apanha.

REFERÊNCIA: Mariana Ianelli em Fazer Silêncio (2005)


As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

REFERÊNCIA: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE em Corpo1984

terça-feira, 21 de outubro de 2008






A lágrima súbita.

(Soares Feitosa)


Nenhuma grande chuva jamais encheu o mar; nenhuma seca do Ceará conseguiu baixar o nível das águas deste mar-oceano; logo, esta lágrima súbita, neste mar salgado, é inútil como volume.
— De que medos tenho coisa?
Transito eu - ela disse - entre o abismo e a lembrança; que agora, neste borrifo de espuma e brisa, os escorridos da minha face me confundem:
— serão de mim, serão do mar? —
— De que medos tenho eu?
Por que agora uma lágrima, nascida num canto de minha face, quando lágrimas só as conheço de alegre?
Seria este azul de mar profundo, fundo, cheio, soturno, a fonte obscura do meu terror?
Se eu chamar a reflexão, aplacadas serão minhas aflições?
Ou, mais prudente clamar pelo sonho, que prefiro imaginar, agora:
(optei pelo sonho, claro que é sonho)
esta vontade de fugir e cavalgar horizonte e brisa, tanger os ventos no corcel dos meus cabelos, navegar os azuis e céus na esquina de minha face e quando gritar por lágrima, venha, senhora lágrima, eu quero eu preciso chorar, e de surpresa, quando olhar de lado, é sonho, claro que é, reencontrar, no vento ligeiro, a fuga dos teus olhos!?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008


Mais uma colaboração da misteriosa criatura Coccinelle

Um Sorriso

Quando

com minhas mãos de labareda

te acendo e em rosaem

baixote

te espetalas

quando

com meu aceso archote e cego

penetro a noite de tua flor que exala

urina

e mel

que busco eu com toda essa assassina

fúria de macho?

que busco euem fogo

aqui em baixo?

senão colher com a repentina

mão de delírio

uma outra flor: a do sorriso

que no alto o teu rosto ilumina?


(Ferreira Gullar)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008


Por nossa Colaboradora Bel:




CANTIGA PARA NÃO MORRER

Quando você for se embora,

moça branca como a neve,

me leve.


Se acaso você não possa

me carregar pela mão,

menina branca de neve,

me leve no coração.


Se no coração não possa

por acaso me levar,

moça de sonho e de neve,

me leve no seu lembrar.


E se aí também não possa

por tanta coisa que leve

já viva em seu pensamento,

menina branca de neve,

me leve no esquecimento.


REFERÊNCIA: Ferreira Gullar em De Dentro da Noite Veloz ,1975

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


Eu, eu mesmo

Eu, eu mesmo...

Eu, cheio de todos os cansaços

Quantos o mundo pode dar. —

Eu...

Afinal tudo, porque tudo é eu,

E até as estrelas, ao que parece,

Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...

Que crianças não sei...

Eu...

Imperfeito? Incógnito? Divino?

Não sei...

Eu...

Tive um passado? Sem dúvida...

Tenho um presente? Sem dúvida...

Terei um futuro? Sem dúvida...

Ainda que pare de aqui a pouco...

Mas eu, eu...

Eu sou eu,

Eu fico eu,

Eu...
(Fernando Pessoa e seu heterônimos: Álvaro de Campos)

Por nossa Colaboradora Bel:

Ai, quem me dera


Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor



Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais



Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim


Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguém chamar por mim...










REFERÊNCIA: Vinícius de Moraes em Cancioneiro Obras Completas de 1998

Hoje temos uma nova colaboração para o blog e que já chega com um outro gênero literário: O Conto.
Apresento a vocês: Coccinelle e seus lindos contos.
Coccinelle, Bienvenue!!!


AS FILHAS DA LUA

Há muito tempo, nas proximidades de uma vasta serrania, no cume das mais elevadas montanhas, existiu uma tribo formada somente por mulheres valentes e destemidas. Filhas da Lua, senhora e mãe da noite, elas se refugiaram em longínquas colinas quando Jurupari ainda caminhava sobre a terra e, fazendo valer as leis do Sol, sobrepujou as mulheres em benefício dos homens.

Houve uma época em que as mulheres mandavam e os homens obedeciam. O Sol, de longe, olhava tudo aquilo e não gostava do que via. Certo dia, ele decidiu interferir. Do sumo da cucura, que escorreu por entre as pernas de uma cunhã de nome Ceuci, fez nascer Jurupari, mandado à terra para reformar os costumes.

Invertendo a disposição das coisas, o enviado do Sol arrebatou o poder das mãos das mulheres e o entregou aos homens. Algumas delas, recusando se integrar à nova ordem, pegaram em armas e foram à luta, a fim de reconquistar o que lhes fora arrancado. Todavia, auxiliados por Jurupari, os homens venceram o embate e se tornaram senhores.

Derrotadas, as fabulosas mulheres guerreiras cruzaram vales, atravessaram rios e igarapés, escalaram montanhas até se perderem na sombra da floresta, no recôndito da mata. Nessas terras distantes formaram sua própria nação.

De quando em quando, entretanto, sempre ao fim da fria estação e no desabrochar das primeiras flores, um estranho contentamento contagiava as mulheres da aguerrida nação. Abrindo mão de arcos e flechas, elas desciam o alto das colinas para nas águas lustrais de um lago encantador purificarem os corpos. Faziam isto suplicando à Lua que esfriasse suas raivas e adoçasse suas falas, no que eram generosamente atendidas. Radiantes, elas percorriam vales e planícies à procura de guapos guerreiros para entre seus braços gozarem um gozo com gosto de desforra.


Fonte:
BENEVIDES, Sílvio. Histórias de Pindorama. Salvador: Editora da FIB, 2003.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008


Por nossa Colaboradora Bel:





Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho

E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.



Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teu ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prosseguee nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.



REFERÊNCIA: Carlos Drummond de Andrade em Sentimento do Mundo de 1940.

.

Soneto

Gonçalves Dias



Pensas tu, bela Anarda, que os poetas

Vivem d'ar, de perfumes, d'ambrosia?

Que vagando por mares d'harmonia

São melhores que as próprias borboletas?



Não creias que eles sejam tão patetas.

Isso é bom, muito bom mas em poesia,

São contos com que a velha o sono cria

No menino que engorda a comer petas!


Talvez mesmo que algum desses brejeiros

Te diga que assim é, que os dessa gente

Não são lá dos heróis mais verdadeiros.


Eu que sou pecador, — que indiferente

Não me julgo ao que toca aos meus parceiros,

Julgo um beijo sem fim cousa excelente.


Rio de Janeiro - 1848.

domingo, 5 de outubro de 2008


Por nossa Colaboradora Bel:







DESENCANTO



Eu faço versos como quem chora

De desalento. . . de desencanto. . .

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.



Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .

Tristeza esparsa... remorso vão...

Dói-me nas veias.

Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.



E nestes versos de angústia rouca,

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.



- Eu faço versos como quem morre.



Teresópolis, 1912.



REFERÊNCIA: Manuel Bandeira em A Cinza da Horas de 1917


Como é por dentro outra pessoa

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro universo

Com que não há comunicação possível,

Com que não há verdadeiro entendimento.


Nada sabemos da alma

Senão da nossa;

As dos outros são olhares,

São gestos, são palavras,

Com a suposição de qualquer semelhança

No fundo.


Fernando Pessoa, 1934

sexta-feira, 3 de outubro de 2008









O Navio Negreiro

(Tragédia no mar)


I


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar...

Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...


'Stamos em pleno mar...

Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...



'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...


Donde vem? onde vai?

Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço


Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!


Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando à toa!


Homens do mar! ó rudes marinheiros,

Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianças que a procela acalentara

No berço destes pélagos profundos!


Esperai! esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia,

Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,

E o vento, que nas cordas assobia


Por que foges assim, barco ligeiro?

Por que foges do pávido poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira

Que semelha no mar — doudo cometa!


Albatroz! Albatroz! águia do oceano,

Tu que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas,

Leviathan do espaço,

Albatroz! Albatroz!

dá-me estas asas.



II


Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

As vagas que deixa após.


Do Espanhol as cantilenas

Requebradas de langor,

Lembram as moças morenas,

As andaluzas em flor!

Da Itália o filho indolente

Canta Veneza dormente,

— Terra de amor e traição,

Ou do golfo no regaço

Relembra os versos de Tasso,

Junto às lavas do vulcão



O Inglês — marinheiro frio,

Que ao nascer no mar se achou,

(Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou),

Rijo entoa pátrias glórias,

Lembrando, orgulhoso, histórias

De Nelson e de Aboukir.. .

O Francês — predestinado

— Canta os louros do passado

E os loureiros do porvir!


Os marinheiros Helenos,

Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos

Do mar que Ulisses cortou,

Homens que Fídias talhara,

Vão cantando em noite clara

Versos que Homero gemeu...

Nautas de todas as plagas,

Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu!...



III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais ... inda mais...

não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo eu aí...

Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ...

Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil...

Meu Deus! Meu Deus!

Que horror!



IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...



Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!


E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...


Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!



No entanto o capitão manda a manobra,

E após fitando o céu que se desdobra,

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."


E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...



V Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!



Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...



São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão...



São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma — lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.



Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ...

...Adeus, ó choça do monte,

...Adeus, palmeiras da fonte!...

...Adeus, amores... adeus!...



Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso Desertos...

desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer.



Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro,

fundo, Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...



Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer. .

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente

— Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!...



Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

Do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!...



VI


Existe um povo que a bandeira empresta

P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus!

mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto!...

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,




Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! ...

Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares!




São Paulo, 18 de abril de 1869.

(O Poeta, nascido em 14.03.1847,

tinha apenas 22 anos de idade)

http://www.secrel.com.br/jpoesia/poesia.html







quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Por nossa Colaboradora Bel: HUMILDADE de Cora Coralina





HUMILDADE





Senhor, fazei com que eu aceite


minha pobreza tal como sempre foi.





Que não sinta o que não tenho.


Não lamente o que podia ter


e se perdeu por caminhos errados


e nunca mais voltou.





Dai, Senhor, que minha humildade


seja como a chuva desejada


caindo mansa,


longa noite escura


numa terra sedenta


e num telhado velho.








Que eu possa agradecer a Vós,


minha cama estreita,


minhas coisinhas pobres,


minha casa de chão,


pedras e tábuas remontadas.


E ter sempre um feixe de lenha


debaixo do meu fogão de taipa,


e acender, eu mesma,


o fogo alegre da minha casa


na manhã de um novo dia que começa








REFERÊNCIA: Cora Coralina em MEU LIVRO DE CORDEL de 1987





Bel, querida!!
Como você disse: "Um blog sobre educação e cultura não poderia dar essa “mancada”!!"...
Eu tinha programado um poema para hoje, sem lembrar da data comemorativa...
Queridos leitores, realmente foi uma "MANCADA" , como bem colocou Bel, em seu e-mail. É que no dia 29 não publiquei nada de Machado de Assis relembrando cem anos de sua morte.
Mas, nunca...nunca é tarde!!!
Obrigada, Belzinha.

Ah, queridos leitores: Bel é a mais nova colaborado do blog e teremos uma coluna com poemas que ela enviou para o blog!!!

Esse foi o poema de Machado de Assis programado:







Os dois horizontes.
(Machado de Assis)








Dois horizonte fecham nossa vida:


Um horizonte, — a saudade


Do que não há de voltar;


Outro horizonte, — a esperança


Dos tempos que hão de chegar;


No presente, — sempre escuro,


—Vive a alma ambiciosa


Na ilusão voluptuosa


Do passado e do futuro.





Os doces brincos da infância


Sob as asas maternais,


O vôo das andorinhas,


A onda viva e os rosais.


O gozo do amor, sonhado


Num olhar profundo e ardente,


Tal é na hora presente


O horizonte do passado.





Ou ambição de grandeza


Que no espírito calou,


Desejo de amor sincero


Que o coração não gozou;


Ou um viver calmo e puro


À alma convalescente,


Tal é na hora presente


O horizonte do futuro.





No breve correr dos dias


Sob o azul do céu,


— tais são


Limites no mar da vida:


Saudade ou aspiração;


Ao nosso espírito ardente,


Na avidez do bem sonhado,


Nunca o presente é passado,


Nunca o futuro é presente.








Que cismas, homem?


— PerdidoNo mar das recordações,


Escuto um eco sentido


Das passadas ilusões.


Que buscas, homem?


— Procuro,Através da imensidade,


Ler a doce realidade


Das ilusões do futuro.





Dous horizontes fecham nossa vida.








A M. Ferreira Guimarães


(1863)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008




Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso.
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.




(texto do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética")